Pesquisadores brasileiros descobrem inesperada propriedade do grafeno

Constituído por uma única camada de átomos de carbono, dispostos em uma rede bidimensional de trama hexagonal, o grafeno é extremamente fino, leve e resistente.

O grafeno é um dos materiais mais estudados na atualidade. Justifica-se: constituído por uma única camada de átomos de carbono, dispostos em uma rede bidimensional de trama hexagonal, o grafeno é extremamente fino, leve e resistente. Agreguem-se propriedades como transparência, flexibilidade, alta condutividade elétrica e térmica e baixo custo de produção para que o horizonte de aplicações seja praticamente ilimitado.

No entanto, com tantas pesquisas já realizadas, uma surpreendente propriedade do grafeno permanecia ignorada. Foi descoberta por pesquisadores brasileiros em estudo publicado em Scientific Reports, do Grupo Nature: “Giant and Tunable Anisotropy of Nanoscale Friction in Graphene”. Trata-se da enorme anisotropia – apresentação de propriedades que variam conforme a direção – exibida pelo grafeno quando este é “varrido” em diferentes direções pela ponta do microscópio de força atômica (atomic force microscope – AFM).

“A observação mostrou que a força de atrito entre a ponta do microscópio e a folha de grafeno é altamente dependente da direção de varredura. A energia dissipada ao longo da ‘direção armchair’ [rota cuja geometria lembra um braço de cadeira] chega a ser 80% maior do que a energia dissipada ao longo da direção zigzag”, disse à Agência FAPESP o físico Douglas Soares Galvão, um dos autores do artigo. Professor titular do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (IF-Unicamp), Galvão é pesquisador principal do Centro de Pesquisa em Engenharia e Ciências Computacionais (CCES, na sigla em inglês), um dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP.

Armchair e zigzag foram as duas principais direções consideradas no estudo. “As direções cristalográficas do grafeno são determinadas com o microscópio de força atômica, utilizando-se o modo de força de atrito. Com essa técnica, conseguimos estabelecer as direções na folha de grafeno e fazer as medidas de atrito em nanoescala”, explicou a física Clara Muniz da Silva de Almeida, principal autora do artigo. Ela é a pesquisadora responsável pelo Laboratório de Microscopia de Força Atômica da Divisão de Materiais do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), com sede no campus de Xerém, em Duque de Caxias, Rio de Janeiro.

Como afirma o artigo, a enorme anisotropia no valor da força de atrito, e, portanto, na energia dissipada ao longo das diferentes direções, é bastante surpreendente, dada a isotropia nas propriedades elásticas do grafeno. Seria esperada uma pequena diferença na energia dissipada em função das direções cristalinas, como acontece no grafite, que nada mais é que um empilhamento de folhas de grafeno. No entanto, as medidas experimentais contrariaram essa expectativa, mostrando uma diferença de até 80% no valor da energia dissipada entre as direções cristalinas.

“Isso se deve à deformação da folha de grafeno pela ponta do microscópio. Tal deformação, que é amplificada de diferentes maneiras nas duas direções, determina os valores diferenciais da força de atrito. Uma analogia simples para o fenômeno é a ondulação formada pelo tecido diante do ferro de passar roupa”, ilustrou Galvão.

“Surpreendeu o fato de a força de atrito ser tanto maior quanto menor o número de camadas de grafeno. Mas a analogia com o processo de passar roupa também ajuda a entender isso. Quando são superpostas várias peças de tecido, isso cria uma estrutura rígida, que praticamente não se deforma com o movimento do ferro. Analogamente, no grafite, que é formado por muitas camadas de grafeno, a deformação é mínima. Porém, quando o número de camadas diminui, até chegar à folha única, a deformação se torna bastante relevante”, prosseguiu o pesquisador da Unicamp.

“A deformação flexural produzida na folha de grafeno pela ponta do microscópio determina ondulações diferentes conforme a direção. Movimentar essa ondulação na direção zigzag é bem mais fácil do que na direção armchair”, resumiu Clara Almeida.

Dito assim, parece simples. Mas, para explicar essa diferença, detectada experimentalmente, foi necessário conjugar três robustos recursos teóricos: o modelo de Prandtl-Tomlinson, utilizado na descrição de mecanismos friccionais em escala atômica; a dinâmica molecular atomística; e a teoria do funcional da densidade, decorrente da mecânica quântica.

Segundo os pesquisadores, o efeito poderia ser entendido como uma manifestação, em escala nanométrica, do fenômeno clássico da flambagem (encurvamento de uma barra quando submetida a compressão axial), descrito matematicamente pelo grande matemático e físico suíço Leonhard Euler (1707 –1783) em 1744.

Devido às suas notáveis características eletrônicas, térmicas e mecânicas, o grafeno é um forte candidato para a fabricação da próxima geração de dispositivos eletrônicos e de sistemas nanoeletromecânicos (nanoelectromechanical systems – NEMS). Tais aplicações requerem a compreensão das propriedades mecânicas e tribológicas – isto é, decorrentes da interação de superfícies em movimento relativo – desses materiais bidimensionais.

“A anisotropia que encontramos pode ser determinante para a fabricação desses NEMS, cujo design demanda o conhecimento prévio da orientação cristalina. Na maioria das vezes, as propriedades do material na configuração bidimensional [grafeno] são bem diferentes das propriedades já conhecidas na configuração tridimensional [grafite]”, sublinhou Clara Almeida.

Seu grupo, no Inmetro, começou a trabalhar com o grafeno em 2010, e, desde então, realizou pesquisas nas áreas de metrologia de defeitos em grafeno; determinação da orientação cristalográfica da folha de grafeno por meio de microscopia de força atômica; utilização da AFM para manipulação do grafeno com vistas a criar novas nanoestruturas; e, agora, de nanotribologia desse material.

Além de Almeida e de Galvão participaram do estudo Rodrigo Prioli (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), Benjamin Fragneaud (Universidade Federal de Juiz de Fora), Luiz Gustavo Cançado (Inmetro/Universidade Federal de Minas Gerais), Ricardo Paupitz (Universidade Estadual Paulista, campus de Rio Claro), Marcelo De Cicco (Inmetro), Marcos G. Menezes (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Carlos A. Achete (Inmetro) e Rodrigo B. Capaz (Inmetro/Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Fonte: Agência FAPESP

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