Parque no Chile incentiva os vizinhos a respeitar e proteger a natureza

Há 55 anos, Douglas Tompkins escolheu percorrer uma a estrada que leva a paisagens belíssimas. Ela fica no Chile, na região dos lagos, na cidade de Chaitén.

“De um ponto de vista existencial, você tem que fazer o que pode e é isso. Estamos todos na mesma estrada”, diz o americano Douglas Tompkins.

Há 55 anos, Douglas Tompkins escolheu percorrer uma a estrada que leva a paisagens belíssimas. Ela fica no Chile, na região dos lagos, na cidade de Chaitén.

De lá é possível ver o vulcão Corcovado e as ruas tranquilas que escondem uma tragédia recente. A origem foi outro vulcão, com o mesmo nome da cidade.

O vulcão Chaitén entrou em erupção em 2008 e a explosão foi tão forte, que muitas árvores grandes e antigas foram derrubadas e queimadas. Não houve lava, mas o vulcão lançou muita cinza por toda a região e continuou assim por dois anos.

De tantos sedimentos depositados em seu leito, o rio Blanco, que margeia a cidade, transbordou. Muitas casas até hoje continuam destruídas.

Na época, toda a população foi evacuada. Parte do santuário ecológico que o Globo Rural visitou, o Parque Pumalin, ficou fechada.

De cara, o nome do parque nos remete ao animal: o puma. Um felino das Américas que, no Brasil, é conhecido como suçuarana. Alguns povoam os 300 mil hectares do parque.

Suas lindas paisagens atraem turistas do mundo todo. A advogada alemã, Elke, levou um caminhão da Alemanha para o parque, no Chile. “Depois vamos para o norte e esperamos chegar ao Alaska. A natureza aqui é fantástica. A floresta autêntica é muito linda”.

A região é de floresta úmida temperada, onde a precipitação de chuva chega a seis mil milímetros ao ano. Herardo Quicel, que trabalha no local há 12 anos, acompanhou a equipe de reportagem para conhecer uma das trilhas onde as espécies de plantas foram catalogadas.

Em outra trilha é possível conhecer alguns exemplares da árvore considerada uma das mais antigas do planeta. O alerce é uma conífera, como os pinheiros. Carlos Zambrano, administrador do parque, explica que ela pode chegar a 60 metros de altura.

O alerce é um monumento nacional. É uma espécie endêmica desta zona, só existe nesta região do Chile e numa parte da Argentina. Está protegida por lei no Chile e o Pumalin tem uma área importante. Cento e sessenta hectares degradados dentro do parque já foram recompostos com novas mudas de alerce.

A vegetação emoldura lagos, rios de água cristalina, cachoeiras e dá abrigo a uma diversidade de animais. Muitas aves, como a bandurria, ou curicaca, no Brasil. À noite encontramos o pudu, um pequeno cervo. E pela manhã fomos saudados por um casal de golfinhos que nadando tranquilo na Caleta Gonzalo.

A caleta é onde atracam barcos de pescadores e balsas que levam e trazem visitantes. A equipe do Globo Rural navegou nesse braço de mar e registrou um grupo de lobos marinhos descansando nas margens.

É de barco que se chega à maioria dos lugares no Parque Pumalin.

O Campo Pillàn, fica a 60 quilômetros por estrada de Chaitén, mais meia hora de barco. De lá é possível ver, ao fundo, o segundo vulcão que fica dentro do parque: o Michinmauida.

Pequenas propriedades ao redor do parque buscam produzir sem agredir a natureza. Além de trazer renda à população local, as áreas funcionariam como um escudo para o parque.

“Nós temos uma máxima: a conservação como consequência da produção. Se sua produção prejudica a natureza, temos que modificar o método até que sua atividade seja compatível com o ambiente”, explica.

Em Pillàn, a atividade é a extração de mel. Hoje a colheita é do mel da flor de ulmo, ou olmo, uma árvore nativa. Três mil quilos já estão nos depósitos, mas a previsão é de 12 mil. Victoria Huenchuan é a engenheira agrícola e responsável pelo processamento. “Nossa produção depende do clima. Se é muito rigoroso, muita chuva ou muito vento, isso mata as abelhas e afeta a produção. O clima e as distâncias são grandes desafios por aqui”, explica.

Em uma área ainda mais distante fica o campo Vodudahue. German e Luiz Sanchez, pai e filho, cuidam de uma pequena criação de ovelhas e gado. A região chuvosa garante pasto verde o ano inteiro, mas isso também traz desvantagens.

“É um solo muito frágil porque no inverno fica saturado de água. É comum a erosão. Fazemos a criação só na primavera e verão porque são as estações em que temos solo firme e maior crescimento das raízes do capim. Assim, o solo resiste mais ao pisoteio do animal”, explica.

Melhorar o solo vem sendo o principal trabalho de Julia. Ela e o marido, Carlo, cuidam do campo El Amarillo, do mesmo dono do parque. A horta é cultivada há quatro anos. Tem beterraba, abobrinha, repolho, cebolinha, coentro. Na estufa, pepinos, abóbora. Entre as frutas, morango, framboesa e mirtilo.

“O solo da Patagônia é como uma placa de terra praticamente estéril, porque não há vida animal. É tão compacto que impede que as minhocas penetrem. É duro como uma pedra e muito ácido. Faço uma rotação de culturas e as plantas melhoram o solo. Coloco húmus e revolvo a terra para enriquecer. Hoje se pode dizer que o solo é melhor, não bom, porque mais ao fundo tem um solo que chamamos de terrillo, que tem ferro e é muito compacto”, explica.

A agricultora Julia Vasquez conta como se apaixonou pela agricultura. “O que mais me impressionava era a transformação de uma semente tão insignificante como a de uma cenoura, por exemplo, num legume. Então, o primeiro cultivo de cenoura foi para mim foi como uma história que escutei sobre os budistas que conseguiam ver crescer o pasto. Eu me coloquei no campo para ver o crescimento da minha cenoura. E um dia, estava a cenoura e eu com a cabeça encostada no chão. Isso pra mim foi mágico e comecei a chorar, porque me senti testemunha do crescimento de um vegetal. E esta é a história da cenoura!”, lembra.

É de pessoas especiais como Julia que está cercado o Parque Pumalin. Mas para visitar o lugar onde ele começou, a equipe de reportagem se aventurou em um dos tantos dias chuvosos da região dentro de um barco e depois em uma carroça puxada por cavalos.

No Campo Renihue que começou o Parque Pumalin. Uma área de 16.800 hectares que estava praticamente abandonada, quando foi comprada em 1991, pelo homem que idealizou o parque. Ele é carinhosamente chamado de El Grand Jefe ou El Grand Doug. O Grande Chefe ou o Grande Doug.

Douglas Tompkins recebe os visitantes na porta de casa, onde todos tiram os sapatos antes de entrar. Ele conta que a casa foi toda restaurada. “Esta é uma casa de fazenda antiga. A chuva entrava pelo teto e nós praticamente reconstruímos tudo”.

As paredes forradas de fotos, até no banheiro, contam um pouco da história de Doug, um americano apaixonado por esportes radicais. Foi como esquiador que ele esteve no Chile pela primeira vez em 1961.

“Depois da estação de esqui, eu desci pra Patagônia e comecei a conhecera região. Voltava pro Chile a cada dois anos”, conta.

Nos anos 1960, Doug criou duas marcas de roupas esportivas. As empresas foram vendidas anos depois, quando passou a se dedicar ao conservacionismo. O Parque Pumalin surgiu, segundo ele, por acaso.

“Em 1989 eu vim aqui e alguém me contou que esta fazenda estava à venda. Eu vim visitar. Estava em péssimas condições e a um preço razoável. Eu comprei sem saber qual seria o destino disso, ou o meu destino… Descobrimos que havia algo a mais à venda ali, lá e começamos a juntar pedaços diferentes. Em sete, oito anos, eu reuni o que hoje é 90% do Parque Pumalin”, conta.

Não foi só no Chile que Douglas e sua esposa, Kristine Tompkins, compraram terras. Na Argentina também. Ao todo, eles criaram dez parques. Cinco foram foram doados aos governos dos dois países e se tornaram parques nacionais.

No início, a compra de grandes extensões de terra por um americano, claro, gerou resistência. Ainda que a ideia fosse preservar ou, principalmente, por isso.

“Em todo lugar do mundo conservação e desenvolvimento não convivem tão bem. Havia resistência de algumas facções políticas, não todas, mas algumas. Estamos fazendo isso com nosso trabalho e temos muitos chilenos nos apoiando”, afirma.

Além de comprar e preservar áreas, a fundação levanta fundos para produzir livros que promovem o ativismo. Quando visitamos o parque, a esposa de Doug, Kris, estava em viagem justamente pra isso.

“Este livro é sobre sistema intensivo de criação de animais. Você pode ver pelas fotos os impactos negativos. Esse é lobby das grandes indústrias para enganar a todos, assim conseguem investidores, boas leis, como se fizessem algo nobre. E, na realidade, isso é uma das raízes da crise ambiental mundial. Vem da agricultura e da criação de animais. O ativismo é está no meu DNA”, diz.

O próximo projeto é a doação do Parque Pumalin ao governo do Chile. “A vida continua. Temos vários projetos. A gente espera ter um fim de vida e dizer adeus a esta terra tendo deixado um bom número de parques. Este é nosso foco. Eu não planejo me aposentar! Isso com certeza”, declara.

Ainda cheio de projetos, Douglas Tompkins morreu depois desta reportagem, fazendo o que mais gostava: ficar em contato com a natureza. Aos 72 anos, sofreu um acidente quando andava de caiaque num lago chileno. Teve bons momentos vividos e um trabalho que, com certeza, impactou a existência de muitos seres vivos.

Fonte: G1

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