No porto da vila de Regência, no norte do Espírito Santo, a maioria dos barcos não sai para o mar. Os pescadores estão proibidos pela Justiça de pescar na foz do Rio Doce, aonde a lama da barragem da Samarco chegou de Minas Gerais e avançou pela costa do Espírito Santo em novembro do ano passado.
No porto da vila de Regência, no norte do Espírito Santo, a maioria dos barcos não sai para o mar. Os pescadores estão proibidos pela Justiça de pescar na foz do Rio Doce, aonde a lama da barragem da Samarco chegou de Minas Gerais e avançou pela costa do Espírito Santo em novembro do ano passado. No rio, eles também não pescam, pois afirmam que, até hoje, não sabem se o peixe está contaminado ou não.
A 170 km dali, em Baixo Guandu, as 250 famílias que fazem parte da colônia de pescadores vivem a mesma incerteza. As redes estão penduradas no quintal de casa enquanto eles esperam por uma resposta oficial e definitiva sobre se podem pescar, comer e vender os peixes do Rio Doce sem comprometer a saúde de ninguém.
Os pescadores afirmam que, mesmo sem proibição da pesca no rio, não conseguem mais vender os peixes porque a população parou de comprar por medo.
Quem viu o rio tomado pela lama um ano atrás concorda com o receio da clientela. Entre os pescadores, muitos também deixaram de comer o peixe do Rio Doce.
“Tem muita gente que não molha nem o pé na água, a maioria não usa o rio para quase nada, não come o peixe”, afirma Aldo dos Santos Firmino, o Pirão, pescador nascido e criado em Regência.
Segundo ele, já foram recolhidas análises de peixes na região da foz, mas até hoje nenhum resultado foi passado aos pescadores. “Tá faltando é uma resposta. Vem muita gente recolher análise de água, de lama, de peixe, de tudo, mas o resultado mesmo que tem que passar para a gente ninguém fala nada”, diz Pirão.
O que me sustentava mesmo era o rio […] Mas hoje a gente está sobrevivendo com o cartãozinho que a Samarco deu para todo mundo e sem perspectiva nenhuma de voltar a pescar.”
“O que me sustentava mesmo era o rio […] Mas hoje a gente está sobrevivendo com o cartãozinho que a Samarco deu para todo mundo e sem perspectiva nenhuma de voltar a pescar.”
Em Baixo Guandu, cidade onde toneladas de peixes mortos foram tirados do rio quando a lama passou por lá, Rodrigo Nunes Freire, que é pescador e guia de pesca, não leva mais ninguém para pôr o anzol na água nem mergulhar.
“Não vem mais ninguém. Todo mundo tem medo de comer o peixe, ainda mais entrar na água. Acabou”, afirma ele, que também é representante da colônia de pescadores da cidade.
Segundo Rodrigo, a proibição da pesca na foz deixa as pessoas com receio sobre a qualidade do peixe rio acima. “Aqui não está proibido pescar, mas as pessoas falam: ‘se lá está contaminado, imagine aqui.’”
Ele diz que já pescou para biólogos, mas que o resultado das análises dos peixes nunca foi informado. O pescador diz que nas reuniões com a Samarco, as pergunta sobre as condições dos peixes não são respondidas.
Diferentemente da associação de pescadores de Regência, que ainda não pensa em acionar a empresa na Justiça, a colônia de pescadores de Guandu já entrou com uma ação indenizatória, afirma Rodrigo.
Estudo de toxicologia – Há estudos de toxicologia sendo feitos nos peixes atingidos pela lama, afirma o coordenador nacional do Centro Tamar, João Carlos Thomé, que está à frente das equipes de monitoramento marinho nas áreas afetadas pelo rompimento da barragem.
Ele explica que a proibição da pesca na foz do Doce tem relação com a grande precipitação de sedimentos no mar de Regência e também pelo fato de que índices de contaminação do pescado estavam surgindo em alguns organismos. “Esse monitoramento continua sendo feito e assim que saírem novas informações a gente vai fornecer isso à Justiça”, afirmou.
“Tem uma ou outra pesca clandestina, mas a maioria dos pescadores vem cumprindo com essa proibição”, diz Thomé. No dia em que a reportagem estava em Regência, uma tartaruga gigante havia sido resgatada pelo projeto Tamar de uma rede de pesca dentro da área da reserva e Combios – onde está proibido pescar também pela lei ambiental.
Thomé disse ainda que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) recebeu recentemente amostras dos peixes dos rios e que foram encaminhadas para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul para exames toxicologicos. “Mas ainda não recebemos os resultados.” Segundo ele, a Samarco também segue monitorando a situação.
Questionada sobre análises dos peixes do Rio Doce, a Fundação Renova, criada pela Samarco implementar os programas de recuperação das áreas atingidas, afirmou que “um programa de monitoramento identificará eventuais impactos à qualidade do pescado no Rio Doce e no mar”.
A fundação afirmou que mantém “debates regulares com órgãos ambientais”, envolvendo especialistas e a comunidade acadêmica. “Estão sendo alocados os melhores recursos para que a situação seja esclarecida o mais rápido possível, com alta confiabilidade e transparência na disponibilização dos dados”.
Auxílio – Tanto em Regência quanto em Baixo Guandu, os pescadores reclamam do sistema de cadastramento e concessão de cartão-benefício pela Samarco para os afetados pela lama. Eles alegam que pessoas que vieram de outras cidades ou que nunca pescaram no Rio Doce estão recebendo o cartão, enquanto pescadores com documentação e anos de atividade ficaram sem o auxílio.
Neusimar Presilius, pescadora de 41 anos, disse que fez o cadastro para receber o benefício seis vezes, mas só conseguiu depois de acionar o Ministério Público do Trabalho. Com os registros de pescadora em cima da mesa, ela disse que se sentiu “humilhada” pela dificuldade de conseguir o cartão.
“Tenho todos os documentos que comprovam que sou pescadora e eu não recebia. Várias mulheres de pescadores não recebiam […] A gente se sente humilhado, porque foram várias pessoas que demoraram a receber, e outras que nunca foram no rio, não conhecem nem peixe, receberam primeiro do que a gente”, afirma.
Mesmo com o cartão em mãos, Neusimar diz não se sentir tranquila. As constantes mudanças no cadastramento realizado pela empresa fazem ela ter medo de um dia ir sacar o benefício e não encontrar mais o dinheiro.
A Samarco informou que foram entregues 7.327 cartões de auxílio financeiro para famílias que dependiam diretamente do Rio Doce para sobreviver. Somente no Espírito Santo foram 3.535 cartões, sendo 287 em Regência. Em Baixo Guandu, até o início de outubro, eram 808 cartões.
O auxílio é um pagamento mensal de um salário mínimo para cada pessoa do núcleo familiar, mais um adicional de 20% para cada dependente e cesta básica. A empresa disse que os critérios para concessão dos cartões foram definidos junto com o Ministério Público do Trabalho, mas não especificou quais são eles.
A empresa afirmou ainda que os levantamentos de informações feitos após o rompimento da barragem de Fundão foram utilizados pela Samarco para decisões emergenciais. Agora, está “em andamento o Programa de Levantamento e Cadastro Integrado de impactados definitivo”, pela Fundação Renova, conforme previsto no Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC) assinado pelo Samarco para solucionar os problemas causados pelo desastre ambiental.
“Um de seus objetivos é levantar informações socioeconômicas sobre o núcleo familiar e identificar atividades e bens impactados, a fim de viabilizar o adequado encaminhamento aos demais programas e ações de reparação socioeconômica previstos no TTAC”.
A empresa não respondeu sobre a reclamação dos pescadores de que pessoas que não teriam direito ao auxílio estariam recebendo o cartão.
Fonte: G1
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