Abrolhos é santuário da Grazina

Uma rápida sucessão de keck, keck, keck ecoa pelos ares das cinco ilhas do Arquipélago de Abrolhos e também em Fernando de Noronha, nesta época do ano. Se for caso de namoro, a grazina (Phaethon aethereus Linnaeus, 1758) faz a corte no ar, emitindo kreeee, kreeee, kreeee agudos e prolongados para impressionar o parceiro.

Uma rápida sucessão de keck, keck, keck ecoa pelos ares das cinco ilhas do Arquipélago de Abrolhos e também em Fernando de Noronha, nesta época do ano. Se for caso de namoro, a grazina (Phaethon aethereus Linnaeus, 1758) faz a corte no ar, emitindo kreeee, kreeee, kreeee agudos e prolongados para impressionar o parceiro. Esta ave brilhante, de bico vermelho, que está sempre voando sobre o mar, enfeita os céus dessas ilhas do litoral brasileiro para o acasalamento, postura e criação do filhote, entre os meses de outubro e maio.

De penas muito alvas, rajadas de negro no dorso e pontas das asas, a grazina está com sua existência futura em perigo devido à ação de predadores de seus ovos, em terra. Nas ilhas do Arquipélago de Abrolhos, principal berço reprodutivo da grazina, a maior ameaça são ratos comedores de ovos. Eles chegaram às ilhas nas embarcações que por ali aportam, sendo que o maior problema está na ilha Santa Bárbara, com proliferação favorecida, também, pelo acúmulo de lixo.

Desequilíbrio – Outros predadores comuns, já no Arquipélago de Fernando de Noronha, são os cães, gatos e o teiú, um lagarto grande, que tem fama de assaltar galinheiros para comer ovos e pintinhos, encontrado desde a Amazônia até a Argentina. Por estas razões, existem, no país, menos de mil grazinas na natureza. “É importante proteger esse animal porque todo ser vivo faz parte de uma teia de processos biológicos que se relacionam e qualquer interferência nesse elo acarreta em desequilíbrio ao meio ambiente”, explica o analista ambiental Diego Mendes, do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave), vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Diego Mendes destaca que “tais aves funcionam como reguladores de peixes e lulas na cadeia trófica (alimentar), dando equilíbrio ao sistema ecológico”. Ele adianta que a espécie será contemplada no Plano de Ação Nacional para Conservação de Aves Marinhas e Costeiras, a ser elaborado pelos especialistas do ICMBio.

Filho único – A questão é que cada casal, por temporada, bota e choca apenas um ovo, manchado de vermelho, marrom ou amarelo. E quando esse único ovo escapa aos predadores, os pais se revezam no ninho por até 44 dias. Ao nascer, o filhote, coberto de penugem, tem bico amarelo e cauda curta, ao contrário dos pais, cujo rabo pode superar os 40 centímetros de comprimento.

O animal jovem fica no ninho por 80 a 90 dias. E, quando conquista autonomia, alimenta-se de peixes e lulas, mas, sobretudo, de peixes-voadores, apanhando-os em pleno ar, quando estes planam sobre as ondas. Muitas vezes, atacam as presas voando sobre elas.

Prevenção – De olho nos predadores e com a finalidade de estabelecer um manejo adequado para reduzir a quantidade de ratos nas ilhas, pesquisadores da Associação Vila-velhense de Proteção Ambiental (Avidepa), entidade civil sem fins lucrativos que estuda aves marinhas há mais de 30 anos, estão buscando formas de capturar esses animais invasores no Parque Nacional de Abrolhos, estabelecendo protocolos de controle. A entidade, com apoio do Cemave, desenvolve pesquisas sobre biologia reprodutiva, possíveis movimentações e longevidade da P. aethereus.

“Realizaremos uma expedição ao arquipélago entre os dias 22 e 29 de fevereiro, com quatro pesquisadores, para colocar ratoeiras e armadilhas numa parte da ilha Santa Bárbara para verificar a eficácia dessa estratégia”, conta o diretor-executivo da Avidepa, o médico César Meyer Musso. Ele explica que há uma destruição significativa de ovos: “Ao longo dos últimos anos, essa perda está aumentando, como constatamos pelas informações coletadas em campo. E é provável que o rato seja o responsável”.

Declínio – Entre 2011 e 2015, durante a retomada do monitoramento do sítio reprodutivo da grazina, a equipe da Avidepa identificou fatores que estariam interferindo no sucesso reprodutivo das aves, em especial a Rabo-de-palha-de-bico-vermelho, espécie considerada ameaçada. Nesse processo de observação, foram cadastrados nas ilhas do Arquipélago 578 ninhos de grazina, sendo 346 na Ilha Santa Bárbara, 128 na Ilha Redonda, 62 na Ilha Sueste, e 49 na Ilha Siriba.

Nas verificações feitas pela equipe da Avidepa, no segundo semestre de 2013, dos 122 ninhos acompanhados no Setor 1 da Ilha Santa Bárbara, pelo menos 50% dos ovos foram predados. Na Ilha Siriba, dos 28 ninhos verificados no Setor 1, nesse mesmo período, ao menos 35% dos ovos foram devorados. Entre 2011 e 2015, dos ninhos observados no mês de setembro, constatou-se que a destruição de ovos na Ilha Santa Bárbara aumentou cinco vezes. “Podemos considerar que o índice de predação dos ovos do Rabo-de-palha-de-bico-vermelho cresceu de forma alarmante, nos últimos quatro anos, e isso é preocupante”, alerta César Musso.

Vulnerabilidade – A grazina é uma ave de médio porte, medindo de 90 a 105 centímetros de envergadura, de uma ponta à outra das asas. Passa a maior parte do tempo em mar aberto e descansa boiando sobre as águas do oceano. Por isso mesmo, torna-se vulnerável aos grandes predadores, que, por causa deste comportamento, arrancam suas patas vermelhas, formadas por membranas natatórias.

“Esta ave faz voos de observação a cerca de 20 metros de altura e mergulha a até 4 metros de profundidade em busca de alimento”, conta a monitora do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, a paraense Maria Bernadete Silva Barbosa, a “Berna”, 52 anos, que passa mais tempo no arquipélago do que no continente. Há 27 anos atuando como guarda parque terceirizada, Berna é a funcionária mais antiga de Abrolhos e reforça: “A grazina é uma espécie ameaçada, que faz ninho em lugares escarpados ou na areia”, facilitando a ação dos comedores de ovos.

Em outras partes do planeta, parentes da grazina “brasileira” são encontradas em todas as regiões tropicais do Pacífico Oriental, Mar do Caribe, Atlântico, Mar Vermelho, Golfo Pérsico e Oceano Índico, além do Atlântico Sul, na ilha Ascension. Os observadores a descrevem como sendo graciosa ao voar e desajeitada quando no solo. No mar, geralmente, é vista sozinha e, mais raramente, em grupo de dois ou três indivíduos, podendo viver por cerca de 16 anos.

Livro vermelho – A equipe do Cemave e seus colaboradores fizeram, em 2015, uma atualização das informações disponíveis sobre a grazina, resultado da avaliação das espécies ameaçadas. Esses dados serão publicados pelo ICMBio, instituição vinculada ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) na nova edição do Livro Vermelho da Fauna Brasileira.

Colaboraram com dados sobre o Rabo-de-palha-de-bico-vermelho os pesquisadores Márcio Efe, Patrícia Pereira Serafini e Guilherme Tavares Nunes. De acordo com eles, a espécie sofre com o declínio continuado na qualidade do habitat. Modelagens (simulações) indicam risco de extinção da espécie em 57,5%, nos próximos 75 anos. Estudos revelaram que não houve alteração de categoria no ajuste regional e, dessa forma, a P. aethereus foi avaliada como Em Perigo (EN).

Em termos globais, estima-se que existam menos de 10 mil casais, sendo que no Atlântico Sul há menos de três mil deles. A população brasileira está reduzida a números muito baixos (Orta 1992a), sendo certamente menor que 1 mil indivíduos maduros (Oficina de Avaliação).

Fonte: MMA

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